Se fosse hoje…

Publicado: outubro 13, 2011 em Uncategorized

Se fosse hoje
Eu faria tudo igual
Eu não conseguiria segurar
O tempo que me foi dado
Eu teria deixado pra depois
As nuances da vida.
Teria escrito os mesmos versos
Repartido o cabelo pro mesmo lado
E cantado as mesmas canções
Se fosse hoje
Ah se fosse
Seria uma eterna repetição.
Eu não teria o abraçado mais
Não o agradeceria por ser um bom pai
Porque não daria tempo
Eu teria escolhido as mesmas coisas
Eu teria os mesmos pecados
Eu choraria pelos mesmos motivos.
Se fosse hoje
Não evitaria nada do que aconteceu
Eu teria os mesmos amigos
Eu optaria por bons beijos
E aderido ao desapego.
Se fosse hoje,
Meu quarto teria um quadro de Paris
E eu fingiria ser poeta de novo.
Eu tocaria Doce Reminiscência
Quando chegasse visita
Eu sairia correndo como criança
E me jogaria no mar
Ouviria minha mãe gritando pra voltar.
Leria livros aos domingos
Descansaria no sofá ouvindo Debussy.
Porque se fosse hoje,
Se fosse hoje seria o mesmo ontem.
Como seria se houvesse amanhã.
Se fosse hoje,
Eu gostaria do cheiro da casa da vovó
Eu teria o mesmo grau de impaciência
Eu recusaria música ruim.
Eu teria uma amiga que gostasse de Beatles
Eu teria duas irmãs que certamente me levantariam
Se um dia eu caísse.
Eu teria a melhor mãe do mundo.
Se fosse hoje,
Eu deixaria toalha molhada em cima da cama
Eu teria uma tartaruga chamada Shikamaru.
Eu leria todos os dramas que li um dia.
Eu não teria começado as dietas
Que prometi na segunda-feira.
Se fosse hoje…
Ah se fosse hoje…
Eu faria tudo igual.
Eu sofreria tudo de novo.
Eu amaria tudo o que amei.
Porque dessa vida só tem uma história
Que cabe a você, viver.

Reveses

Publicado: outubro 10, 2011 em Uncategorized

Um dia acordei querendo viver, passando do estado de sobrevivência. Acordei olhando para um céu morno que despencava da janela como num dia qualquer da semana. Lembrei de um poeta que conheci que em um de seus poemas que me dedicou, disse: “Fique Samira, não vá sumir nos reveses dessa vida!”

Eu fiquei. Sinto como ingratidão dizer que a própria vida é um revés, se descanso nesse sofá estofado.
Sinto que da sorte, tive muita, de escapar por um triz de morrer de tristeza. Ninguém morre assim, triste. Pior ainda: vive!
E quando vê lá estamos parados questionando sobre a felicidade, reclamando da vida, querendo o improvável. Enquanto nós temos o “mundo improvável” de alguém.
E fiquei proferindo aquela frase “não vá sumir nos reveses dessa vida!” e tentei traduzir o que seriam esses reveses. Pensei no cotidiano, na monotonia, nos padrões impostos pela sociedade.

E de vez em quando estamos lá franzindo o cenho, pensando na felicidade que não vimos, nas coisas que não tivemos, nos amores que desvanesceram. Naquilo que escapou de nossos dedos. Somos tão imbecis ao ponto de ouvir o tic-tac do relógio, ver as folhas do calendário irem pro lixo e achar que ainda tem tempo de sobra.

E é muito fácil escrever sobre isso. É muito fácil dizer que o relógio está batendo e o seu tempo passando. Dificil é nos dar um tapa nas costas e dizer: Vai em frente! Desprender-se da rotina e dos reveses da vida, levantar de seu sofá estofado, levar um tapa na cara e correr atrás do improvável.
Dificil é correr atrás do que não se sabe. Do que não se tem. Do perigoso.
Mas é do perigo que se parte a sensação de viver e não de apenas sobreviver.
E da mudança cabe em nós, apenas, sem a necessidade de saber se estão notando a diferença ou não.
Cabe em nós o nosso próprio sentido de felicidade.

E hoje acordei querendo mais da vida. Acordei com o relógio fazendo a contagem regressiva.

Cores.

Publicado: julho 31, 2011 em Uncategorized

 

Então deixa assim, fica desse jeito desajeitado, bagunçado e preto e branco. Fica assim, nessa pose, nesse infinito, nesse círculo de sonhos que fazem sombras na parede. Deixa desenhar teu contorno, soar a música que lhe decorar os ouvidos, deixe assim, fique assim, nem que doa um pouco. Não se pinte com as cores que os outros te pintam. E não force os joelhos com teimosia. Esse sorriso amarelo, deixa-lo rir quando não puder rir apenas com as paredes internas da alma. E as palavras, não lance-as inuteis. E se parecer bege diante da multidão, não procure mudar de cor.
Porque essa cor, é a cor que tens, é assim pastel, mas é toda a força que conseguiu colorir tua alma ao longo de todos esses anos.

(Samira Assis)

Mar de ressaca.

Publicado: junho 25, 2011 em Uncategorized

E quando eu ouvia dizer:
“O mar está de ressaca”
O imaginava tonto correndo pelas praias,
Com bafo de conhaque e morto de cansaço
As águas em crises de enxaqueca
Deixando rastros pelo espaço.
Imaginava o mar cambaleando
até dar de encontro com a areia
Essa feito seu banco de pedra
Para descansar seu cérebro que lateja.
E as ondas soluçando como um choro
Como quem se embriaga decepcionado
E a penumbra da lua minguante iluminando
A passagem das ondas por todo lado.
É como desses homens que quando bebem,
Violento e furioso ficam.
Batiam as ondas nas pedras
Que fortemente resistiam.

Mas quando passa o delírio,
Tudo se pacifica.
As ondas no mar, as pedras, os grãos de areia.
Voltam a se afagar lentamente
Pelo caminho em que foram destruídos.

Os olhos de Clara.

Publicado: junho 6, 2011 em Uncategorized

Os olhos de Clara já me diziam,
Coisas que todos vinham a dizer.
Olhos de dicionário
Jogavam no chão
Palavras que eu viria a colher.

E quando as colhia do chão,
Uma delas eu pisei,
Uma delas engoli a seco,
E outras guardei.

Uma delas eu procurei,
A inocência disse que
O tempo as varreu,
E eu acreditei, acreditei…

E não foram só os olhos de Clara
Que me fizeram virar catadora de palavras,
Há uma caixa de guardados,
Cheia de palavras que não ouso tocar
Pelo excesso de espinhos.

Um dia revirei essa caixa,
pra achar aquela bendita palavra
Que fazia brilhar meus olhos.
Mas o tempo varreu mesmo.
Ainda acredito…

E fui na praia e na escola,
Na rua e nas casas
No vazio dos corredores
Nos olhos de Clara, de Maria, de João
De quem quer que fosse,
Buscar aquela palavra de sete letras
Que o tempo me furtou.

Mas houve um dia em que os olhos de Clara
caíram no chão.
Quebrou em sete pedaços,
a reluzente turmalina verde.
Juntei com os milhões pares de sete
Da minha caixa solitária.

E eu continuei a colher
os restos no chão.
E vi que os restos
Um dia poderia compensar aquela única palavra.
Mas Clara não colheu de meus olhos.
Nem Maria.
Nem João.

O pão.

Publicado: junho 2, 2011 em Uncategorized
Ontem o céu caiu,
O pobre enriqueceu,
Levantou uma espada,
Seu estômago se encheu.
Os anjos entoaram,
As estrelas sorriram
Por de trás do muro.
De onde meus olhos espiam.
Ontem quem sofria, gargalhou
Quem feria, urrou.
O velho voltou no tempo,
As estátuas criaram vida,
O relógio diminuiu o passo,
O trem que passava, subia.
A mentira virou verdade
E houve pagamento.
O céu misturou a relva,
Ninguém apontou o dedo.
Ontem a justiça veio
Trazer ao mundo
O pão de cada dia.
A chave das algemas,
Veio desmascarar a mentira.
Ontem o céu caiu na minha cama,
enquanto eu dormia.
Num ímpeto suspiro,
Levantei meus olhos.
E dali não houve espada erguida,
A mentira se escondeu
O trem não passou,
E continuaram a apontar o dedo.
Mas a justiça não faltou
E em cima da minha mesa,
continuou a depositar o pão.
Sorri tristemente.
Não por ingratidão.
Mas só por saber que falta o pão em outra mesa.

(Samira Assis)

Poema quase romântico

Publicado: maio 24, 2011 em Uncategorized


Eu fui escrever um poema romântico,
mas as nuvens me roubaram a inspiração,
a fileira de formigas me deixaram perplexa
Pensei na vida curta delas, presas no rastro de sabão.
Fui escrever um poema romântico
mas meu coração estava uma árvore crua
semimorta no inverno, obscena e nua
E esquecida no tempo.
Fui escrever, mas o jornal da manhã
mostrou um acidente na estrada
e meu romantismo foi parar no canto da sala.
Fui escrever um poema romântico
desses que aquece toda uma alma,
Mas o frio entrou por debaixo da porta
e esfriou meus pensamentos,
não há nada que faça esquentar,
esse coração de vento.
Fui escrever um poema romântico
Mas não havia destinatário,
Algo vago do meu passado,
me trouxe tormento e inquietude
Peguei a folha, e das mãos não saíram nada
Pobre daquele que se ilude.
Fui escrever um poema romântico
mas voltei de mãos vazias
não me esforcei a torcer meu coração
Para soltar um verso falso e pobre

Fui escrever um poema romântico,
Mas parece mais um draminha podre.

Fracasso

Publicado: abril 26, 2011 em Uncategorized

Um homem sentou no banco mais sujo da praça
Estava embriagado e cansado.
Era outono, mas sem folhas
Não ventava como de costume
Estava calado como uma pedra,
e quem sabe andou chorando nos últimos minutos.

Não estava totalmente sozinho,
se não fosse por um vira-lata magro cinzento
Que veio mijar em seu banco
Mas o homem e o cachorro se encaixavam no cenário
Um completava o outro numa madrugada taciturna
Que sabe-se-lá quanto ia durar.

Um violão seria imprestável
naqueles dedos tímidos e sem dom,
uma folha de papel pra uma poesia,
ou uma carta, ou um desenho,
não sabes escrever, e não tem a quem escrever
O cérebro está dormente,
O coração quase parou de bater,
as lembranças ficam como um defunto.

Não se sabe, do que sofria o homem
Não precisa saber, não te interessa,
não interessa nem a mim.
Todo mundo já quis morrer um dia,
Mas agora a bebida já entrou,
Ele ficou sonolento e acabou dormindo no banco
O vira-lata se sentiu menos só.

Mas não é isso que mata,
não é a bebida ou a solidão,
nem os olhos tristes do homem.
O que mata é saber que tem gente
que dorme e não levanta.
Fica digerindo o fracasso.
Não se trata de profecia,
e nem de uma história de um milionário que já foi pobre.
E nem um livro podre de auto-ajuda
Nem de merda nenhuma.

É que raiou o dia,
e o homem ainda não levantou.

(Samira Assis)

Dreams, dreams…

Publicado: abril 1, 2011 em Uncategorized

Longos caminhos no escuro através de madeiras cultivadas por trás do parque, perguntei a Deus, quem eu costumava ser. As estrelas sorriram para mim, Deus respondeu em um devaneio silencioso. Eu disse uma oração e adormeci.
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Eu tinha um sonho
De que eu poderia voar da mais alta árvore
Eu tinha um sonho
(Priscilla Ahn)

Mar Português

Publicado: março 14, 2011 em Uncategorized

 

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

 

(Fernando Pessoa)